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  • Foto do escritorPsicólogo Roberto Leal

o viés racista por trás da precarização das políticas públicas


Tanto se fala dos serviços públicos precários, desde a falta de estrutura física e materiais adequados, passando pelo baixo número de profissionais nos serviços ou a própria capacitação destes, além do número, muitas vezes insuficiente, de serviços e equipamentos que atendam a população de maneira satisfatória.


E se eu te disser que tem um viés racista em todo este processo? Quando falamos de genocídio da população negra, logo vem à mente a letalidade policial e o encarceramento em massa. Porém, estas ações são apenas a ponta de um processo que começa lá atrás com o sucateamento e a precarização de importantes políticas públicas como moradia, educação, assistência social, saúde e sobretudo esporte, cultura e lazer, tão pouco abordada quando falamos de garantia de direitos.


Falo do lugar de quem está há 15 anos trabalhando com políticas públicas, divididos entre a política de assistência social e de saúde. E posso dizer que neste período o que mais me chamou a atenção é a discrepância entre as legislações que norteiam estas políticas, os textos normativos, resoluções, etc. e como estas são operacionalizadas na prática pelas gestões públicas, ou seja, existe um norteador robusto de ações, bem como os critérios de financiamento dos serviços, mas que não se concretizam da maneira que se espera na ponta, no atendimento aos sujeitos de atenção das políticas públicas.


E quem são estes sujeitos? Pessoas negras representam a maior parte da população atendida nos serviços públicos. Em um estudo sobre o perfil sociodemográfico das pessoas em situação de rua notificadas com tuberculose no Município do Rio de Janeiro, entre os anos de 2015 e 2019, Gioseffi et al. (2023) apontam o predomínio de pessoas do sexo masculino (74,9%) e da raça/cor negra (76,2%).


Outro estudo relevante destaca quem são as pessoas que demandam políticas públicas nutricionais. Santos et al. (2022) ao abordar a insegurança alimentar e suas intersecções de gênero e raça/cor, evidenciam o número maior de famílias negras em insegurança alimentar moderada/grave, com destaque para famílias chefiadas por mulheres negras. Resta claro que a precarização de políticas públicas nutricionais vai impactar de maneira mais expressiva a população negra. E, obviamente, o déficit alimentar traz consigo uma série de outros prejuízos ao desenvolvimento desta população.


Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2019) também corroboram o quanto que a precarização de importantes políticas públicas vão atingir sobremaneira a população negra:

 

Indicadores relacionados à cobertura de serviços de saneamento básico também apontam uma significativa desigualdade, segundo a cor ou raça. Em 2018, verificou-se maior proporção da população preta ou parda residindo em domicílios sem coleta de lixo (12,5%, contra 6,0% da população branca), sem abastecimento de água por rede geral (17,9%, contra 11,5% da população branca), e sem esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial (42,8%, contra 26,5% da população branca), implicando condição de vulnerabilidade e maior exposição a vetores de doenças (IBGE, 2019, p. 5).

 

Neste rápido recorte pudemos observar que a população negra é mais afetada diretamente pelo acometimento de doenças importantes como a Tuberculose, a exposição à insegurança alimentar, bem como a falta de acesso a condições sanitárias básicas. Estas e demais situações demandam um forte investimento para implementação de políticas públicas para seus enfrentamentos e superação. Se uma parte significativa da população que depende destes serviços públicos é a população negra, é necessário refletirmos a partir deste recorte de raça a precarização destas políticas e o viés racista implícito neste processo.


Um outro ponto que considero importante enfatizar é o que a gente chama de rede intersetorial, que é a capacidade dos diversos setores das políticas públicas dialogarem e construírem pontes necessárias para um cuidado mais efetivo da população atendida. A administração pública divide as pastas em setores específicos que vão gerindo suas políticas afins. Mas essa divisão acaba evidenciando uma fragmentação da atenção, que deveria ser superada com o fortalecimento da rede intersetorial, o que não acontece. Quanto a esta fragilização da rede intersetorial eu discuto com mais detalhes no artigo apresentado para a conclusão de minha especialização em Políticas Públicas e Desenvolvimento Social pela PUC-PR que você encontra neste Blog. [A Fragilidade da Rede Intersetorial no Âmbito das Políticas Públicas no Brasil]


Desta forma, é possível inferir que o sucateamento e toda precarização dos serviços públicos tem sim um viés racista. O genocídio da população negra começa muito antes do tiro de fuzil disparado pelas forças de segurança. Na verdade, estes só abatem os que conseguiram sobreviver até aqui, lembrando a frase emblemática de Conceição Evaristo: Eles "Combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer.” Abaixo compartilho diversos links de reportagens que reforçam a precarização e sucateamento das políticas públicas e reitera as reflexões provocadas ao longo deste texto.

 

REFERÊNCIAS:

 

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. IBGE, 2019. Disponível em: < https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf > Acesso em 01 abr. 2024.

 

GIOSEFFI, Janaína R. et al. Perfil sociodemográfico das pessoas em situação de rua notificadas com tuberculose no Município do Rio de Janeiro, Brasil, nos anos de 2015 a 2019. Caderno de Saúde Pública, 2023. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/csp/a/5m7K46CWXJ9QpWCXkG7R7JG/?format=pdf&lang=pt > Acesso em 01 abr. 2024.

 

SANTOS, Lissandra A. et al. Interseções de gênero e raça/cor em insegurança alimentar nos domicílios das diferentes regiões do Brasil. Caderno de Saúde Pública, 2022. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/csp/a/8n98GjtF49CJzYqhyQRCjyk/?format=pdf&lang=pt> Acesso em: 01 abr. 2024.

 

Reportagens:

 

 

 

 

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